Assembleia Legislativa do Estado do Acre

Aleac realiza audiência pública para debater desafios no diagnóstico e tratamento da fibromialgia no Vale do Juruá

 

Iniciativa do deputado estadual Adailton Cruz busca soluções diante da ausência de reumatologistas na região

A Assembleia Legislativa do Estado do Acre (Aleac) promoveu, na manhã desta segunda-feira (4), uma audiência pública com foco nos “Desafios no diagnóstico e tratamento da fibromialgia no Vale do Juruá diante da ausência de reumatologistas”. A reunião, que aconteceu no plenário do Poder Legislativo Acreano é fruto do requerimento nº 56/2025, de autoria do deputado estadual Adailton Cruz (PSB).

A proposta da audiência foi reunir autoridades da área da saúde, representantes do Poder Público, profissionais da medicina, pacientes e especialistas para discutir os obstáculos enfrentados por quem convive com a fibromialgia, uma síndrome crônica que causa dor generalizada e outros sintomas como fadiga, distúrbios do sono e alterações cognitivas, especialmente nas regiões mais afastadas do estado, como o Vale do Juruá.

Durante a abertura do debate, o deputado Adailton Cruz que também preside a Comissão de Saúde da Casa de Leis, destacou a importância da audiência. “Estamos debatendo um tema de extrema relevância, sensível e que mexe com o ser humano, principalmente com a nossa sensibilidade diante das implicações dessa patologia na vida dos acreanos”, afirmou. O parlamentar enfatizou ainda que a síndrome atinge principalmente mulheres e que o evento foi motivado pelas demandas apresentadas pela Associação dos Fibromiálgicos do Vale do Juruá. “Vamos ouvir vocês, debater a situação do atendimento às pessoas com fibromialgia e as dificuldades tanto do diagnóstico quanto do tratamento. Nosso compromisso é buscar soluções concretas”, completou.

O encontro contou ainda com a participação de representantes da Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), do Conselho Regional de Medicina (CRM), da Defensoria Pública, da Associação de Pacientes com Fibromialgia, de vereadores, entre outros convidados. Os participantes discutiram alternativas viáveis para suprir a carência de reumatologistas na região, como a interiorização de especialistas, a ampliação da telemedicina e a capacitação de profissionais da atenção básica.

Em sua fala, o médico especialista em acupuntura Dr. Athos Muniz Braña, que atua há mais de seis anos na área de dor oncológica no Unacon, destacou a complexidade do tratamento da fibromialgia e a importância de uma abordagem multidisciplinar para atender os pacientes da região do Juruá. “A apresentação que eu farei aqui não é uma aula, mas um alerta sobre os impactos que a fibromialgia causa na vida de quem convive com essa condição”, afirmou. Segundo ele, embora a síndrome tenha sido tradicionalmente associada à reumatologia, a escassez de especialistas levou outras áreas da medicina a assumirem esse cuidado.

“Hoje, diante da necessidade, que não é só do Acre, é do Brasil inteiro, a fibromialgia passou a ser tratada também por ortopedia, acupuntura, medicina física, psiquiatria. Mas é fundamental que o profissional tenha expertise, prática voltada ao tema e um perfil de acolhimento e empatia”, defendeu. Dr. Athos reforçou ainda que o tratamento deve envolver psicólogos e outros profissionais, e que a ausência de reumatologistas não pode ser um impeditivo para o atendimento qualificado.

“Doença invisível e tratamento inacessível”: presidente de associação denuncia abandono de pacientes com fibromialgia no Juruá

A presidente da Associação dos Fibromiálgicos do Vale do Juruá (AFVAJ), professora Vângela, emocionou os presentes ao relatar sua trajetória pessoal com a fibromialgia e denunciar o abandono enfrentado pelos pacientes da região. Em recuperação de um câncer de tireoide, ela comparou as duas doenças e destacou a gravidade da fibromialgia. “Se vocês me perguntarem o que me incapacitou mais, foi a fibromialgia. O câncer eu tratei, retirei a tireoide e não senti nada. A fibromialgia tirou meus sonhos, tirou os sonhos das pessoas que eu conheço”, declarou.

Segundo ela, o tratamento adequado está inacessível no Vale do Juruá desde 2021, quando o TFD suspendeu o atendimento com médicos especialistas. “A telemedicina faz, no máximo, três consultas e não emite laudo. Nós temos uma doença invisível, sem exames que comprovem. E mesmo assim, estamos sem assistência”, criticou. A presidente da associação também destacou que muitos portadores já foram profissionais ativos e chefes de família, mas hoje vivem incapacitados e esquecidos pelo sistema de saúde.

Vângela também denunciou os altos custos do tratamento da fibromialgia e a total ausência de suporte pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ela exemplificou com o caso de uma paciente que gasta mais de R$ 4 mil com sessões de pilates, massagem relaxante e ventosaterapia. “Eu pergunto para vocês: uma pessoa que perdeu o emprego, tem condições de sair da crise hoje? Não tem. Não tem”, afirmou. Ela relatou que, diante do abandono do poder público, a associação firmou parcerias com profissionais como a médica Bruna de Porto Velho, que chegou a atender gratuitamente pacientes em situação extrema. “Tinha paciente que não tinha dinheiro nem para o gás, nem para a feira. Tomou emprestado de vizinho para pagar a consulta. E é paciente oncológico. E mesmo assim, está há mais de um ano tentando conseguir um benefício do INSS e não consegue”, denunciou.

Defensoria Pública oferece apoio institucional à luta por atendimento digno às pessoas com fibromialgia

A defensora pública, Thais Araújo, da Subdefensoria Pública-Geral Institucional, reafirmou durante a audiência pública o compromisso da Defensoria Pública com a causa das pessoas com fibromialgia, colocando a instituição à disposição da associação e dos pacientes. “A Defensoria Pública não leva apenas acesso à justiça por meio da judicialização, mas também pela via do diálogo e da resolução administrativa dos problemas”, afirmou. Ela destacou que a instituição está presente em todo o estado e pode atuar para garantir consultas, exames e medicamentos à população. “Temos uma defensora pública em Cruzeiro do Sul que já atende esse tipo de demanda, e em todos os municípios há defensores, estagiários e servidores prontos para acolher essas pessoas”, completou. Agradecendo o convite, ela ressaltou: “É uma honra estar aqui, mas mais do que isso, é um dever da Defensoria Pública se fazer presente nesta audiência pública”.

Fundhacre reconhece desafios e anuncia proposta de mutirão reumatológico no Juruá

A diretora da Fundação Hospitalar do Acre (Fundhacre), Sóron Angélica Steiner, reconheceu a importância do diálogo com os movimentos sociais e reafirmou o compromisso da instituição em atender pacientes com fibromialgia, inclusive da regional do Juruá. Segundo ela, três reumatologistas atuam atualmente na Fundação, oferecendo atendimento ambulatorial, internações e procedimentos como infiltrações. “Não há nenhum tipo de bloqueio de agenda ou recusa de atendimento para pacientes do Juruá, seja internado ou ambulatorial”, afirmou.

Apesar de não haver hoje reumatologistas com carga horária fixa no interior, a Fundhacre estuda, em parceria com a Sesacre, a realização de mutirões com as profissionais que atuam na capital. “Já iniciamos o diálogo com as nossas reumatologistas para levar atendimentos presenciais à região”, disse. Dra. Amorim também frisou que a fibromialgia é reconhecida por lei como deficiência, o que garante prioridade no atendimento, nos exames e na regulação. “A Fundação tem tratado os pacientes com fibromialgia considerando todos os direitos de prioridade. Entendo a dor e a luta de vocês”, completou.

Estado reconhece aumento dos casos e aposta na telemedicina e regionalização

A secretária adjunta de Saúde do Acre, Ana Cristina, iniciou sua fala reconhecendo o crescimento dos casos de doenças crônicas como a fibromialgia, especialmente após a pandemia, e destacou que esse fenômeno tem sido observado em todo o país. “A telemedicina é uma realidade desde a pandemia, e veio para ficar. Ela é uma estratégia para mitigar as diferenças regionais, principalmente diante da escassez de especialistas em estados como o Acre”, afirmou. A gestora destacou a parceria com o Hospital Albert Einstein, via Ministério da Saúde, e ressaltou que o Estado tem avançado em pautas importantes como cirurgias eletivas e transplantes, mesmo com as limitações de mão de obra. “Não conseguimos ter um especialista em cada município, nem o Brasil consegue isso, por isso a regionalização é essencial”, pontuou.

Ana Cristina também ressaltou que apenas o diagnóstico não é suficiente para o tratamento eficaz da fibromialgia. “A gente precisa dos acompanhamentos e, sobretudo, das terapias. E isso precisa ser ofertado nos municípios, com apoio das Práticas Integrativas e Complementares”, disse. Ainda segundo ela, o Estado já trabalha para fortalecer o atendimento multiprofissional, mas reforçou que é necessário o engajamento das gestões municipais. “Os municípios precisam aderir e criar centros de oferta das PICs. O Estado não pode concentrar tudo. Se uma criança mora em Rodrigues Alves ou no Jordão, como ela vem a Rio Branco três vezes por semana? ”, questionou. Ela propôs que o debate sobre a ampliação dessas terapias seja feito em conjunto com a Secretaria de Saúde de Cruzeiro do Sul, e confirmou que já há tratativas para envio de profissionais à região.

Também fizeram uso da palavra o vereador de Cruzeiro do Sul, Tenente Rômulo Barros (Republicanos), e o representante do Conselho Regional de Medicina (CRM/AC), Dr. Alan Areal. O vereador destacou a luta das pacientes e a importância da interiorização dos atendimentos. “Estamos aqui como parceiros dessa causa, porque entendemos que a saúde precisa chegar onde as pessoas estão. O sofrimento dessas mulheres é legítimo e precisa ser tratado com prioridade”, afirmou. Para o vereador, o papel dos parlamentares é contribuir com a construção de políticas públicas e garantir que as reivindicações do movimento sejam efetivamente atendidas.

Já o médico infectologista Dr. Alan reforçou a importância do acolhimento às pessoas com fibromialgia. “A fibromialgia não tem cura, mas tem alívio. Pode ter melhora. Ninguém consegue viver com dor”, afirmou, destacando que a dor é o principal motivo que leva um paciente a procurar ajuda médica. Ele elogiou a atuação do colega Dr. Athos, especialista em dor, e prestou solidariedade à luta da associação. “O movimento está ganhando força e precisa ser ouvido e nós do CRM estamos à disposição”, declarou.

Ao final da audiência, o deputado Adailton Cruz se comprometeu a encaminhar um relatório com as demandas levantadas ao Governo do Estado e ao Ministério da Saúde. O parlamentar destacou quatro demandas prioritárias levantadas pelos participantes: o retorno do atendimento presencial com reumatologista no Vale do Juruá, a garantia de atendimento integral aos pacientes com fibromialgia, a proposta de legislação que flexibilize a jornada de trabalho para servidores públicos com a síndrome e o apoio institucional à associação que representa os pacientes.

“A retomada do atendimento do especialista é um dos pleitos mais importantes e vamos acompanhar de perto para que isso seja concretizado. E fiquei feliz ao ver aqui a sensibilidade da Sesacre e da Fundhacre sobre isso. afirmou. O parlamentar também assumiu o compromisso de apresentar projeto de lei para fortalecer a atuação da associação. Em tom emocionado, Adailton compartilhou uma vivência pessoal ao lembrar da irmã de criação, que sofria com lúpus e fibromialgia. “É um tema que me toca muito. Eu sei as dores, o sofrimento. Infelizmente, já a perdi. E o que a gente puder fazer para ajudar os nossos acreanos, nós vamos fazer”, declarou.

Além das medidas legislativas, o deputado anunciou o envio de recursos para apoiar diretamente as ações da Associação dos Fibromiálgicos do Vale do Juruá. “Com relação à associação, eu particularmente já vou  encaminhar para a Prefeitura de Cruzeiro do Sul 100 mil reais para a associação, ainda para ser executado no ano que vem. Vou fazer isso. E, no momento em que a associação estiver com a documentação ok, a gente encaminha o recurso diretamente para ela”, garantiu o parlamentar, reforçando o compromisso com a causa.

Texto: Mircléia Magalhães/Agência Aleac

Fotos: Sérgio Vale